sábado, 2 de outubro de 2010

Tiririca e os outros

Deputado Tiririca. O Congresso Nacional, com ele, “pior do que está não fica” – segundo o próprio; ou “fica” – segundo Alfredo Ribeiro de Barros, que se assina por seu heterônimo Tutty Vasquez. Talvez fique mesmo. Talvez não. Mas esta é uma questão para o futuro. E “é difícil distinguir se o nosso passado é que é o nosso futuro, ou se o nosso futuro é que é o nosso passado”, segundo Fernando Pessoa – o mesmo que vivia fazendo críticas à “maravilhosa beleza das corrupções políticas”.

Valha o presente, pois. Tiririca quer ser Deputado, aceitemos isso. Direito seu. Qualquer um pode querer. Nem todos serão, paciência. Problema, para quem tiver um desejo assim, é só um – o de precisar ser eleito. E no Brasil de hoje, para ele, há só três formas de conseguir isso.

Primeiro caminho, aparecer na televisão com terno e gravata, cara de nordestino morto à fome, e prometendo defender os pobres, os aposentados, as grávidas, as crianças do meu Brasil, GTLS, guardas de trânsito, o mundo inteiro e mais as estrelas do céu. Previsão, algo como 300 votos – o pessoal de família, alguns amigos, quem lhe deva dinheiro ou favor, por aí.

Segundo caminho, se fantasia dele mesmo, como seu personagem aparece nos programas de televisão. Diz o que se espera seja dito por um homem que faz rir – afinal, essa é sua profissão –, como “vou cuidar de minha família” e outros bordões. E vai ter uma eleição quase a custo zero. Que peruca, chapéu e fantasia, usa os que tem no armário. E nem precisa pagar a produção do programa, ou jingle, que isso o partido garante. Previsão, mais de um milhão de votos.

Terceiro caminho, faz o que muitos fazem. Compra o mandato. Em Pernambuco, um voto está saindo a mais de 100 reais. Qualquer candidato, longe da imprensa, confirmará isso. Aqui, precisaria de pelo menos 6 milhões (em São Paulo será mais). Podendo ainda se dar ao luxo de fazer, na televisão, os mesmos discursos politicamente corretos que todos fazem. Sem maior importância, o que disser, dado virem seus votos mais dos cifrões que das palavras. Previsão, eleição na certa.

Tiririca é só mais um liso, nesse mundão de meu deus. Deve ser, lá sei eu. Um liso que sonha. Ou um sonhador liso, dá (quase) no mesmo. Porque, seguramente, não tem esse dinheiro todo. Nem quem lhe financie. Por absoluta ausência de alternativa, ou comodidade, ou esperteza (não tem importância), escolheu a única maneira de se eleger. Do mesmo jeito que, profissionalmente, ganha a vida. Não se levando a sério. E está sendo crucificado por isso, coitado dele.

Engraçado é ver que seus críticos não se preocupam com as centenas (chegará quem sabe a isso) de mandatos comprados. Nem com evangélicos, cuja maior contribuição democrática é cantar hinos em louvor ao Senhor que é meu pastor, Deus os tenha. Ou protegidos por sindicatos, patronais ou de trabalhadores, alimentados por recursos públicos. Comprar votos, pode. Usar religiões e corporações, também. Já se fantasiar de palhaço, não. É pecado. Mas, aqui para nós, o que é pior para a democracia?

A diferença, entre ele e tantos compradores de votos, é posta só no presente. Ninguém parece preocupado com o que vai acontecer nos próximos quatro anos. Tiririca até poderá ser um parlamentar digno, é sempre possível. Votando com sua consciência. Sem receber mensalão. Sem indicar parentes para cargos no Governo, em troca da promessa de votar como lhe mandarem. Nem controlar repartição onde possa fazer caixa. E são tantos esses engravatados. Tantos. Até Ministros.

Se proceder retamente, pode inclusive se reeleger em 2014. Já não como Tiririca, mas então como Francisco Everardo Oliveira Silva (Silva, como nosso Presidente), de Itapipoca, mais um brasileiro que já trabalhava desde criança, quando tinha só 8 anos. Num circo. Ou será mais um Juruna, sem perceber bem seu papel naquele picadeiro estranho – diferente dos que conhece –, em que ninguém ri dele, nem lhe bate palmas. Nesse caso, as crônicas registrarão sua passagem, por aquelas bandas, com um silêncio constrangedor. Seja como for, não devemos nos preocupar com essa quase comédia; que a democracia, cedo ou tarde, concerta esses erros. E define o destino de seus personagens. As vezes, de maneira cruel.

Por tudo, pois, sejamos tolerantes. Que a diferença fundamental entre nossos tiriricas e muitos desses engravatados, bem visto, é só que uns são do ninho e outros são estranhos. Que uns não tem futuro, e outros têm um passado e tanto. Que uns não sabem que são inocentes e os outros sabem, com certeza, que são culpados. Mas não estão preocupados com isso.

José Paulo Cavalcanti Filho, 62, advogado no Recife, jp@jpc.com.br

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